sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Buraco no Espelho

Flagrei-me no espelho.
Olhos nos olhos
E as vagas lembranças fazendo folia,
Misturando-se com sonhos de criança.
Flagrei-me no espelho.
Olhos nos olhos
E um grande desespero,
Misturando-se ao medo que me consumia.
Flagrei-me no espelho.
Olhos nos olhos,
Dizendo verdades que eu não queria,
Juntando-se ao que eu desconhecia.

Quebrou-se o espelho
Que havia aqui dentro
E que não me pertencia.

Flagrei-me andando.
Vagando nas ruas
dos sonhos,
Chutando o asfalto
de ilusão,
Inspirando o ar,
que sempre me faltara.
E tudo que me consumia, consumiu-se.
Misturei-me à brisa
E leve e límpida desapareci de mim.
Perdi-me em pensamentos
Tão reais
Que até a realidade desconfiaria.

A imagem que vi durante a vida,
Não era real.
Vivi o aparente...inexistente.
Quebrei o espelho que me prendia
Ao que poderia ser e não foi...fui
Ao que planejava ser e não fui...foi


Entreguei-me a imagem que agora não vejo
E docemente desconheço.
Entreguei-me a imagem
E reconheço-me
Em sua realidade surpreendente.

(Maria Otávia Sanchez da Cunha)

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Samba Tocado

Toque um samba
Que de tão samba
Balance a minha alma.
Toque um samba requebrado,
Um samba sagrado,
Uma saudação!
Toque um samba canção,
Que eu quero um samba “chorado,”
Um samba sofrido.
Quero as lágrimas de alegria
Que escorrem das letras do samba poema.
Toque um samba bem batucado
Que hoje eu quero o tremer do coração.
Quero um samba rasgado,
Um samba de amor...saudade!
E com o samba não há uma lágrima que saia de mim
Que não seja sacolejada,
Que não seja derrubada com muita emoção.
Porque o samba é simplesmente
A mais fiel tradução do que é viver,
Do que é ser... um samba emoção!

(Maria Otávia Sanchez da Cunha)

sábado, 17 de maio de 2008

Última Estação

Quando foi que perdi o que era meu?
Quando aquela doce ilusão se amargou em minha boca?
Quando foi que aquele brilho no meu olhar se apagou?
Ah, aquele brilho no meu olhar!
Sinto por aqueles que me conhecem agora
Que sou apagada.
Também tenho pena daqueles que me conheciam pelo brilho
E o viram se apagar.
O que me apagou?
Quando foi que me perdi?
Perece-me que numa noite fria adormeci
E quando despertei não amanheci.
Nunca mais o Sol brilhou pra mim.
Uma nuvem tomou conta da minha morada
E não importa o que eu faça
Existe sempre o medo que me afasta do que sonhei.
Ah, sonhei ser tantas coisas!
E embora tenha sonhado muito,
Nunca fui nenhuma das coisas.
Fui sempre a vaga idéia de ser alguém.
Quanto ao que planejei,
Nunca tive muito mais sorte do que com aquilo que sonhei.
Fiz tantos planos que eles seriam para mais de uma vida.
Mas nessa que vivo não fui capaz de realizar nenhum.
Ainda desconheço o limite entre a ilusão, o sonho, o plano e a intuição.
Ah, a intuição!
Já intui viver tantas coisas.
Foram tantas intuições que em um dia eu pressentia
Mais que uma cartomante.
E eu que um dia fui criança,
Envelheço a cada dia, uma semana.
Quando foi que esqueci de mim?
Esqueceram-me antes que eu partisse.
A vida seguiu em frente e eu fiquei na estação.
Parada diante do último vagão.
Ninguém me disse adeus,
Mas eu me despedi de uma vida que um dia vivi.

(Maria Otávia Sanchez da Cunha)

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Esquecido

Meu peito tem sorte
E sofre.
Um tanto quanto sofrido
E tem sorte.
Toda sua sorte
É poder esquecer-se.
Sabe esquecer
Sem perder.
Ferido
Ele caminha melhor,
Segue em frente
Não perde o caminho.
Ele se esquece e
Tudo se vai para a memória,
Uma lembrança
Distante.
Gosto do meu peito,
Pois ele não sente o que lembra.
Deliro-me na minha mente,
Recordo-me de tudo
E o peito não sente.
Talvez por isso ele seja tão vivo,
É sempre novo para viver
Um novo dia.
Meu peito tem sorte,
Nele cabem tantas coisas
E nenhuma ocupa o lugar da outra.
Ele tem sorte,
Sabe sofrer,
Sabe esquecer,
Sabe aprender e entender,
Que é grande o suficiente
Para amar diariamente
Uma nova idéia para viver.

(Maria Otávia Sanchez da Cunha)

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Nova Estrada

Percorri uma estrada tão antiga.
Repleta de velhos saberes,
De doces recordações.
Nela havia estrelas,
Caídas,
Nascidas,
Brotadas do chão.
Não via nada além de uma direção,
Meus pés caminhavam sem tocar o chão.
Eu era leve e límpida
Como um sopro de uma doce estação.
Eu era uma manhã repleta de esperança.
Eu era um raio que brotava da escuridão.
Deitei-me em um gramado repleto de sonhos
E delicie-me experimentando cada um,
Senti um aroma de realização.
Fui além do que sonhava,
Eu sentia.
Lágrimas brotavam sem serem percebidas
E eu rolava e rolava
No chão
E ria.
Sorvia cada detalhe de mim em tudo que vivia.
Toquei com as palmas das mãos o chão,
A terra fértil,
Macia,
Úmida de lágrimas.
Nasceu um lírio.
Tão branco e puro como a paz que me conduzia.
O recolhi para dentro de mim
E cresci.
Adormeci para um sonho e despertei para o amanhecer.

(Maria Otávia Sanchez da Cunha)

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Mergulho

Meus olhos nos olhos
Meus.
Minha voz nos ouvidos
Meus.
Minha face cara a cara
Comigo.
E não há um refúgio
De mim
Um esconderijo,
Um canto sombrio,
Em que eu não me encontre.
No encontro diário
E inevitável
Eu rio e choro,
De mim,
Da vida que vejo refletida
Em mim.
A comédia mais triste que vi,
O romance mais banal que li,
O drama mais clichê que vivi
Foi olhar-me no espelho.
O oceano mais frio e belo
Que naveguei
Foi o meu ser.
A minha mente
Mente diariamente
E quando canso de negar
Quero dizer verdades,
Então sou rouca.
Uma lágrima que sufoco
Gira dentro de mim e
Vira tempestade,
Meu tormento.
Então sigo por esses mares
Repletos de lembranças
Reconhecendo-me nelas
E mesmo sem a razão
Encontro razão para viver.

(Maria Otávia Sanchez da Cunha)

domingo, 20 de abril de 2008

O que Nos Une

Talvez tudo tenha começado
Com versos
Lidos e ouvidos por nós.
O encantamento da poesia,
A leitura dos sentimentos,
Tão puros
Ingênuos.
Passamos então a ser prosa.
Uma prosa
De amor,
De suspense,
De ação,
Uma prosa desenhada,
Com tamanha perfeição, que admito,
Foi o acaso ... ao acaso.
E a sua presença em mim
Tornou-se
Um pedaço da canção,
Uma lágrima que sofri,
Uma quase paixão,
Um pequeno verdadeiro amor,
Uma grande saudade,
Um enorme sofrer,
Uma profunda amizade,
Uma doçura tão amarga quanto a droga,
Que me vicia,
Me consome,
Me enche de prazer.
Minha grande narração,
Sem narrador,
Repleta de estória.
E o que nos une é
Não entender,
Não definir,
Não querer.
E por tudo isso querer
Sempre
De qualquer forma,
A qualquer momento
A sua presença em minha vida,
Essa que é uma colcha
Formada de retalhos,
Fragmentos,
Lembranças,
Pequenos pedaços que me deste
E que perdi pra você,
Pedaços trocados,
Truncados,
Amassados,
Guardados
Em um lugar que ainda existe entre nós.
Aquele que está
Na letra da canção,
No rodapé da página rasgada,
Na palavra não dita,
Na lembrança vivida,
No sonho guardado,
Esse que mesmo sem sabermos
Nos é em comum,
É a mesma paixão.
Talvez isso seja parte do que nos une.
Tudo é parte
Você parte
Eu parto
Partidos seguimos, ambos na mesma direção.
Esperando de nós partes de uma recordação.

(Maria Otávia Sanchez da Cunha)

sábado, 19 de abril de 2008

Vaga Parada

Tenho a vaga idéia de que há uma vaga aqui.
Em algum lugar,
No tempo.
Uma vaga para estacionar.
Parar as idéias,
As vagas idéias que me abordam
No meio da estrada,
Em minha caminhada.

Tenho a vaga impressão de há uma impressão aqui.
Em algum lugar,
No espaço.
Uma impressão precisa,
Que registra o que sou,
Os vestígios que deixo
No meio da estrada,
Em minha caminhada.

Tenho a esperança de que há esperança aqui.
Em algum lugar,
Dentro de mim.
Uma esperança profunda.
Maior do que sou,
Do que perco
No meio da estrada,
Em minha caminhada

Tenho a impressão de ter
Uma vaga idéia,
Da esperança que carrego
De encontrar uma parada
Em algum lugar da vida,
Durante minha caminhada.

(Maria Otávia Sanchez da Cunha)

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Página e uma Flor

Colhi das páginas uma flor.
Pétalas de sonhos,
Folha da razão.
Insistem as raízes dentro de mim se fixarem.
Permanecem fixos em mim meus pensamentos,
Devaneios,
Caminhos construídos e destruídos
Por turbulentos pesadelos.
Acalentam-me a alma os sonhos que roubei de algum lugar.
Acelero meu passo por entre as palavras,
Devoro-as com a mesma intensidade que sou devorada,
Absorvida ...sorvo cada detalhe de uma canção.

Colhi das páginas uma flor.
Pétalas de sonhos,
Folha da razão.
Insistem as raízes dentro de mim se fixarem
E fixo meu pensamento segue,
Persegue o caminho sem fim,
Aquele que plantei e colhi.

(Maria Otávia Sanchez da Cunha)

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Brisa

Nada a declarar
Nem a calar.

Sem forças para dizer,
Tentar
Recomeçar um novo fim.
Triste fim.

Sigo sem perceber que me levaram
Para outro lugar.
Ouço apenas as palavras
Que me consolam
De um sonho ruim.

Como não acreditar?
É tão bom viver a sonhar!
Dói acordar.
Dói mais ainda desacreditar.

Quero calar,
Mas falo
Com pressa,
Angústia,
Com a voz embargada.
Eu marejada,
Desesperada para viver
Mais uma ilusão.
Morrer tentando realizar.

Hoje prefiro ser realizada,
Descoberta,
Desvendada
Do que me cega.

Tudo me consome
E me cobre da mais pura emoção.
Sem previsão de vendavais
Eu espero sempre a brisa,
Que sopra em carícia
A alma que me carrega.

(Maria Otávia Sanchez da Cunha)

sábado, 12 de abril de 2008

Último Instante

Caminhando entre as estradas eu as sobrevôo num rasante
E lentamente me curvo diante das suas perfeitas curvas
Deleitando-me em brisa pura.
A clareza e perfeição das luzes me atingem a face,
Úmida e dilacerada.
Na esperança de uma nova estrada
Eu mergulho em pistas puras,
Repletas de sonhos no asfalto
E me ralo e rolo pelo chão de plumas
Sob a chuva da nova estação
E a emoção de ser tão viva quanto a terra me faz
Desejar ser brisa para acariciá-la.
Caminhando sobre as estradas eu as traço num rasante
E lentamente me deito com os pés e as mãos na areia.
Tenho novamente os olhos no céu e os dedos na terra.

(Maria Otávia Sanchez da Cunha)

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Já Não

Já não me arrependo do que fiz.
Já o que não quis me consome,
Tortura-me sem piedade.

Já não me arrependo das palavras que proferi.
Já as que engoli reviram-se em mim,
Ecoam sem deixar silêncio.

Já não me arrependo do que sonhei.
Já o que limitei me prende em algemas,
Separa-me da felicidade.

Já não me arrependo do que segui.
Já o que não fui afunda-me em melancolia,
Sepulta-me em minha própria casa.

Já não me arrependo do que tentei.
Já o que desisti me enfraquece,
Aprisiona-me ao meu próprio medo.

Já não me arrependo do que senti.
Já o que neguei me relembra o que não vivi,
O riso e a lágrima que neguei e escondi de mim.

(Maria Otávia Sanchez da Cunha)