sábado, 18 de abril de 2009

Céu a Tempo

Hoje peço aos céus que olhem para baixo
E me vejam entre multidões,
Encontrem-me em meu esconderijo
E que nele apareçam,
Surpreendendo-me
De forma que eu tropece
E cai profundamente num infinito horizonte.
Peço aos céus
Que neles eu aconteça
E não tenha pressa de acordar.
Peço aos céus que me dêem o tempo
Como amigo para brincar
a tarde inteira em suas mãos.
Peço aos céus que ao fim do dia
O tempo se estenda
E resolva tudo que for meu,
Em seu próprio tempo
Mesmo que eu não o entenda.
Peço aos céus que eu aprenda
A confiar nas nuvens
E que por elas eu navegue sabendo,
Que existe um tempo que será meu.

Maria Otávia Sanchez da Cunha

Tempo de Florescer

Preciso de um tempo
Para que eu possa respirar
E deixar que a vida
Se expanda e aconteça,
Tome conta de mim
Como se eu fosse criança.
Preciso de espaço
Para que ninguém me alcance
E me impeça de seguir em frente,
Sem rumo e apenas com esperança.
Preciso de paciência
Para que nada me pertença
E que mesmo assim eu tenha,
Sempre um motivo para sorrir.
Preciso de calma para deixar
Que as coisas aconteçam,
Sem que eu peça a elas
Que me obedeçam.
Preciso do saber
Para entender que ainda tenho muito
Que viver
E que a melhor escolha é deixar que
A vida floresça.

Maria Otávia Sanchez da Cunha

Miragem

Os olhos encheram-se
De luz.
Refletiram o brilho.
Confundiram-se com a miragem que viam.
Viviam naquela ilusão.

A boca seguiu o que os olhos disseram
E os ouvidos não ouviram
O que a alma intuiu,
Em silêncio

Os olhos encheram-se
De ilusão.
Refletiram o sonho.
Confundiram-se com a realidade que viviam.
Viram tudo naquela encenação.

A boca seguiu o que os olhos sentiam
E os ouvidos não ouviram
O que a alma sofria,
Em excesso.

Um dia os olhos se abriram
E cegaram-se diante da revelação,
Não puderam mais ver a miragem.
A boca seca diante da verdade
Não pode mais beber do seu oásis
E os ouvidos deixaram de escutar a
Brisa com sua malandragem.
Todos os sentidos lembraram-se da alma.

A alma calada entendeu a confusão dos sentidos,
Consumidos pelo engano de uma simples miragem,
Deliciosa e envolvente.
Todos os sentidos foram curados
E a aflição de tocar a realidade
Transformou-se em normalidade.

Todos os sentidos foram reinventados e
Compartilhados com a alma.
Aprenderam a esquecer a doçura das miragens
E passaram a viver verdades.

Maria Otávia Sanchez da Cunha

A missão de uma guerreira

Quando se transforma a vida em amor, transforma-se também a alma em terra fértil a espera do seu senhor para semeá-la e fazer a colheita. Assim ocorreu com aquela jovem guerreia cujo coração pulsava humildemente e suas únicas armas eram a esperança e amor guardados dentro dele. Imortal guerreira, porque seus sentimentos transcendiam a vida.

Ela cuidava de seu coração como se fosse seu único bem, a única posse de uma vida passageira. Seu peito era tão repleto de amor que sua alma explodia de alegria por ser livre para amar. Ergueu uma fortaleza no peito e partiu para aprender a amar quem desamasse, acolhendo-os dentro dela. E dessa maneira ela seguiu seu caminho combatendo bravamente toda ausência de amor. Vitória? Nem sempre.

Descoberta essa força, era preciso avançar com sua fortaleza sobre o mundo e lutar contra sua ausência de amor. Quando se deparava com outros guerreiros repletos de frieza, doía-lhe o peito ao ver a dor do outro. Ela esperava seus ataques com sofrimento e depois procurava amá-los e estancar-lhes o sangue oculto, que escorria por não saberem amar. Só as sábias guerreiras sabem ver a ferida oculta.

Mas naquele dia, o inimigo lutava com uma armadura indestrutível. Ou a guerreira estava demasiadamente fraca? Viu o inimigo corta-lhe o peito, desarmado, com sua fria lâmina. A cada golpe sentia que aquele guerreiro era o que mais precisava ter a ferida estancada. Quando estava prestes a desistir de lutar ela ficou nua, despiu-se de toda sua mágoa, dos restos de orgulho e entregou ao inimigo seu único bem, o coração. Sua alma cansada transformou por esse gesto seu inimigo em amante. A grande muralha intransponível que os separava desfez-se e a armadura do guerreiro caiu feito papel.

Cansada e sem mais o que fazer, a guerreira disse suas primeiras palavras de amor:
- Aqui estão meu coração e minha alma. Entrego-os em suas mãos para que seja meu senhor e semeie nessa terra fértil tudo que lhe trouxer felicidade. O Amor pode transformar sua vida, mesmo sem poupá-lo de todo sofrimento, irá convertê-lo em seu servo e o livrará pra sempre de uma existência vazia.


Maria Otávia Sanchez da Cunha.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Buraco no Espelho

Flagrei-me no espelho.
Olhos nos olhos
E as vagas lembranças fazendo folia,
Misturando-se com sonhos de criança.
Flagrei-me no espelho.
Olhos nos olhos
E um grande desespero,
Misturando-se ao medo que me consumia.
Flagrei-me no espelho.
Olhos nos olhos,
Dizendo verdades que eu não queria,
Juntando-se ao que eu desconhecia.

Quebrou-se o espelho
Que havia aqui dentro
E que não me pertencia.

Flagrei-me andando.
Vagando nas ruas
dos sonhos,
Chutando o asfalto
de ilusão,
Inspirando o ar,
que sempre me faltara.
E tudo que me consumia, consumiu-se.
Misturei-me à brisa
E leve e límpida desapareci de mim.
Perdi-me em pensamentos
Tão reais
Que até a realidade desconfiaria.

A imagem que vi durante a vida,
Não era real.
Vivi o aparente...inexistente.
Quebrei o espelho que me prendia
Ao que poderia ser e não foi...fui
Ao que planejava ser e não fui...foi


Entreguei-me a imagem que agora não vejo
E docemente desconheço.
Entreguei-me a imagem
E reconheço-me
Em sua realidade surpreendente.

(Maria Otávia Sanchez da Cunha)

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Samba Tocado

Toque um samba
Que de tão samba
Balance a minha alma.
Toque um samba requebrado,
Um samba sagrado,
Uma saudação!
Toque um samba canção,
Que eu quero um samba “chorado,”
Um samba sofrido.
Quero as lágrimas de alegria
Que escorrem das letras do samba poema.
Toque um samba bem batucado
Que hoje eu quero o tremer do coração.
Quero um samba rasgado,
Um samba de amor...saudade!
E com o samba não há uma lágrima que saia de mim
Que não seja sacolejada,
Que não seja derrubada com muita emoção.
Porque o samba é simplesmente
A mais fiel tradução do que é viver,
Do que é ser... um samba emoção!

(Maria Otávia Sanchez da Cunha)

sábado, 17 de maio de 2008

Última Estação

Quando foi que perdi o que era meu?
Quando aquela doce ilusão se amargou em minha boca?
Quando foi que aquele brilho no meu olhar se apagou?
Ah, aquele brilho no meu olhar!
Sinto por aqueles que me conhecem agora
Que sou apagada.
Também tenho pena daqueles que me conheciam pelo brilho
E o viram se apagar.
O que me apagou?
Quando foi que me perdi?
Perece-me que numa noite fria adormeci
E quando despertei não amanheci.
Nunca mais o Sol brilhou pra mim.
Uma nuvem tomou conta da minha morada
E não importa o que eu faça
Existe sempre o medo que me afasta do que sonhei.
Ah, sonhei ser tantas coisas!
E embora tenha sonhado muito,
Nunca fui nenhuma das coisas.
Fui sempre a vaga idéia de ser alguém.
Quanto ao que planejei,
Nunca tive muito mais sorte do que com aquilo que sonhei.
Fiz tantos planos que eles seriam para mais de uma vida.
Mas nessa que vivo não fui capaz de realizar nenhum.
Ainda desconheço o limite entre a ilusão, o sonho, o plano e a intuição.
Ah, a intuição!
Já intui viver tantas coisas.
Foram tantas intuições que em um dia eu pressentia
Mais que uma cartomante.
E eu que um dia fui criança,
Envelheço a cada dia, uma semana.
Quando foi que esqueci de mim?
Esqueceram-me antes que eu partisse.
A vida seguiu em frente e eu fiquei na estação.
Parada diante do último vagão.
Ninguém me disse adeus,
Mas eu me despedi de uma vida que um dia vivi.

(Maria Otávia Sanchez da Cunha)